Dor

"É estranho passar o natal em branco. Eu não acredito em Deus, não sou religiosa, só tenho meu pai e meu filho. Sei lá. Muito se mantinha uma aparência de familia feliz na minha casa mas meu pai parece que não liga pra isso. Não queria deixar ele triste também mas acabei de descer pra sala chorando igual louca. Acho que é um sentimento de medo. Quando meu pai se for eu não vou ter família. Eu não sou acolhida de verdade por ninguém além dele. O meu filho sou eu quem segura mas não tem ninguém pra me segurar sabe?
É cansativo ser forte o tempo todo. Às vezes é uma dor insuportável sentir que está sozinha. E hoje é um desses dias que tá doendo pra caralho.
Meu irmão vai receber a familia da minha cunhada na casa dele, e a minha mãe. Um bando de frescos metidos a ricos, sabe? Nem têm merda no cu pra cagar e se acham porquê falam baixinho, tem um pouco a mais de dinheiro, usam guarnapos no colo e 40 talheres pra comer. Bizarro. Eu não sou desse mundinho deles e eu não vou pra nenhum lugar onde eu não esteja confortável."
Foi assim que começou a manhã da véspera. Uma dor imensa no peito, parecendo que alguém morreu.
Deve ter morrido mesmo, a tradição dentro da minha vida por alguns anos daqui pra frente. Puta merda, eu paro e penso como é caro ser uma pessoa como eu que não tolera porra nenhuma. Quantas pessoas passam por situações de merda pra não ficarem sozinhas? Eu definitivamente não sou essa pessoa.
Meu pai é muito inteligente. Ele parece a parte racional do meu cerebro falando, dá até raiva. Ele disse "você vai trabalhar hoje, isso é mais importante do que a comemoração de uma data comercial, dias 26, 27 e assim por diante seu trabalho tá lá."
Eu juro que não me importo com o trabalho. Eles sugam nossas almas? Sugam. Se fosse possível criar um sistema de delivery e dar o peru na boca dos clientes, os caras nos botariam fácil pra fazer isso. Pela grana. Não se importam em meter um 15h-23h20 na escala de quem mora numa cidade pequena e depende de ônibus que acabam 22h30. Quem se importa? É o seu trabalho. São só três dias. Você não vai folgar porquê a demanda do mercado é grande. As pessoas precisam de você. O patrão precisa fazer seus mil reais por minuto. Ele quer que você se foda, a sua casa suja, seus compromissos marcados, sua qualidade de sono, sua vida fora da empresa.
Não é como se eu pudesse reunir pessoas que passam pelo mesmo que eu e os botassem numa mesa farta pra ficarem comigo. Não faria o menor sentido. Sabe essas dores que simplesmente precisam ser sentidas? Definitivamente se parece com a morte: não temos o que fazer. Você chora. Você fica em silêncio no seu canto. Você reage de alguma forma específica mas é isso. Não tem o que fazer.
No meio do soluço do meu choro, meu pai soltou um "é melhor do que se sua mãe estivesse aqui." - e eu ri um pouquinho.
Apesar de ter razão, isso vai de encontro com as falsas aparências. Forjar essa união bonita cheia de glitter dourado e pisca pisca com bonecos de neve num calor de 35 graus é a patente máxima do ano da família.
E que família eu tenho além do meu pai e meu filho?
Eu tenho um ódio grotesco, e uma vergonha de assumir que eu daria tudo pra estar com alguém. Mas isso é puramente... sei lá, uma busca por suporte emocional. Não é como na dependência emocional onde você põe toda a tua expectativa de felicidade numa pessoa... porra, nem meu filho tem esse dever para comigo. É sobre quem eu posso dar a mão, dar uma abraço e relaxar. Não tenho ninguém pra fazer isso por mim. E isso dói muito.
Meu pai é a pessoa que ao lado do meu filho merece tudo de mim. Eu sou a pessoa que tá aqui pra eles. Mas quem está aqui por mim. Quando as coisas desmoronam, eu estou aqui. Eu sou uma só, e quando as coisas desmoronam pra mim, eu estou aqui. E como eu me dou suporte sendo que preciso de suporte, que é algo que não tenho? A porra da conta não fecha.
Eu checo o whatsapp toda hora pra ver se alguém respondeu o que mandei. A cada linha escrita, uma lágrima cai involuntariamente. Tá me dando sono. É um shutdown. Isso rola pra você parar de sentir, esses hormônio fodido que te come igual um tumor maligno.
Eu daria tudo e qualquer coisa pra não me importar com absolutamente nada. Eu entendo tudo o que se passa na minha mente e no meu corpo como se o metrônomo do racional-emocional batessem freneticamente de um lado e pro outro. Eu não racionalizo sentimentos porquê quero. Eu só me conheço bem. Eu sei que isso vai passar, em janeiro mesmo eu sequer vou lembrar dessa sensação de dor e morte que estou sentindo agora.
Também não é como se eu simplesmente resolvesse fazer as malas e ir ficar com a minha mãe e meu irmão. 
"Tá, então o que te faria feliz agora?"
Eu não sei. Não sentir. Mas isso não é uma opção. 
Eu não posso simplesmente meter um avental, bobes no cabelo e um sorriso a la Pearl. Viver num clipe Let it Go do The Neighbourhood assando biscoitos sorrindo.
Quando o terapeuta pergunta porquê não escrevo mais é também porque abracei a mediocridade da vida. É, tem a ver com isso também. Pessoas medíocres não escrevem. Eu sei quem há quem se importe. Mas eu cansei de dividir, de ser um monólogo incessante. É como agora, sentir sono e não querer terminar nada com nada donque escrevi. Nem sei pra que eu vim aqui. Rolar o feed do instagram e ver bichinhos já me deixou melhor. E é isso que a gente vai fazendo ao longo da vida. Deixa de tomar os remédios, deixa de beber, de fumar, de foder, de segurar o choro, deixa as roupas se acumularem, as limpas se misturarem com as sujas, a visão ficar turva, deixa as dores no corpo doer e existe um dia após o outro. Eu me recuso a escrever "vive um dia após o outro" porquê isso aqui não é viver, não.
A resposta biológica pros meus problemas é "eu vou dormir".
Custa caro ser quem eu sou. Processinho de merda você saber quem você é, o que você quer, o que você não gosta. Isso porque eu nem cheguei na parte de falar que quando você finalmente faz o que a vida inteira fazem com você, tu é um merda.
Rapaz, eu chutei tanta coisa esse ano... (lá vem ela querer fazer a retrospectiva)
Crescer é uma porcaria, puta que pariu.
Existir é uma merda. Ter responsabilidades e ter noção do quanto elas pesam é a pior coisa do mundo.
Caralho, será que meu filho vai se sentir triste quando não comemorarmos o natal? Eu fico pensando que porra de exemplo que eu sou. A realidade dói demais, a sobriedade. Nada de fantasias aqui. E é isso que eu vou passar pra ele. Rude? Creio que sim.
Na verdade tudo dói.
Estar lançado a existência dói. 
Olha pra essas frases... eu tô cansada de repetir isso e de ter razão. 
Na verdade eu ando meio covarde. Ou talvez faça parte do preço também: eu não quero estar só mas não aceito menos do que mereço. Em tudo. De qualquer pessoa.
Tô cansada de dizer que estou cansada. A originalidade dos meus textos some toda vez que repito as mesmas premissas. Quer dizer, eu nunca quis ser inovadora, pioneira... isso é só terapia. É uma agulha quente fincada na bola de pus do meu espírito encravado. Eum escape saudável e menos contrangedor que o choro no banco de madeira do banheiro do mercado. Eu odeio chorar na frente do meu pai mas hoje não deu.
Afeto é outra merda também. 
Assumir que precisa de um porto seguro é uma merda.
Eu me odeio profundamente por não ser autossuficiente mesmo fazendo e carregando tudo sozinha.
Tô cansada de tanto ódio. Gostaria de ser mais empática comigo. E como tens empatia consigo o tanto quanto tens com os outros?! Será que essa coisa toda nunca vai acabar? Me odeio, me odeio e me odeio. E não posso me matar. É como estar numa prisão e não poder sair. Eu tô dentro de mim e não dá pra me afastar de mim mesma assim como eu faço com as pessoas que eu aturo anos e meto o foda-se "do nada".
Eu aturo tanta merda, cara. Pra ainda ser a terceira e quarta opção e ainda ser chamada de infantil, de egoísta. Acho incrível como todo mundo tá sempre certo, menos eu.
Não sei com quem e nem sob qual ocasião eu falei isso de que, quando eu sinto raiva por me sentir mal com alguma coisa, é porquê eu pareço me ver sempre como vítima. Tá vendo como eu deixo tantas coisas me atropelarem? Cara, eu não mereço isso. Não mereço uma caralhada de coisas. Que porra de educação eu tive pra achar que não sou merecedora de coisas boas? Porra, vai se foder, eu mereço sim.
Sem mais, eu encerro aqui pois quero dormir.
Isso nunca foi pra ter pé nem cabeça. Digo, as crônicas. Talvez a vida seja exatamente assim também.


Quem sabe em memes de gatinhos eu entenda a mesnagem de uma vez por todas.