Básico

 Bem, se eu não sabia aonde o aripiprazol atuava, provavelmente já encontrei. Me peguei ontem, na volta pra casa num domingo extremamente frio, de que precisava comprar calcinhas. Sabe quando você adia tanto e tanto e tanto as coisas que elas ficam em condições precárias?! Minhas calcinhas estão me matando. E a falta do remédio. Falta de sexo também. De dinheiro. Só de pensar que tenho uma dívida picada de 5 mil reais nos bancos, já perde sentido esperar pelo dia do vale.

Que vida do caralho né? Trabalha pra pagar as dívidas que tu fez no mês retrasado. Pois eu acho bem feito. Quer ter culhão pra ter cartão de crédito desempregada, tem mais é que se foder mesmo no serasa. Cara, outra coisa além das questões financeiras e sobre calcinhas, e calças sociais e vestidos que eu acho que preciso (sempre acho que posso esperar mais um pouco, que não preciso ou não mereço... mulher de migalha), são questões de reação ao externo.

Bicho, uma pessoa fala mais alto comigo ou chama minha atenção sobre qualquer coisa, eu já quero morrer com um tiro atravessado no crânio. Eu odeio ser uma pessoa tão, mas tão sensível. Ser transparente demais é um defeito estonteante e esgotante. E eu penso olhando no espelho: tudo o que eu vejo aqui não me agrada e eu não quero mudar. Que diabo eu fiz pra me odiar tanto?

Creio que minha mente seja mais fechada que aqueles caixões de gente desfigurada. Não é só por hoje eu estar de extremo mal humor, por terem gritado comigo no sábado, por ter a calcinha enfiada no rabo no domingo e passar a semana inteira querendo um colo pra chorar. Como a pessoa nao gosta de si e não muda? Se você tá esperando que as pessoas te entendam, você está é muito da fodida.

A única coisa que me agrada nesse azedume interior é o foda-se bem grande que fica na minha testa piscando. Dá uma adrenalina gostosinha de estar lá trabalhando e já esperar alguém pior que eu que desconte um caminhão de merda em cima de mim. E ok. Eu sinceramente não espero mais nada da humanidade depois da bandejada que eu tomei na cara quando trabalhava no shopping.

Eu poderia ir pra Santos sozinha. Tomar um café no museu, andar de bondinho, subir o morro e cair no mar. Quero trocar meu número de telefone. O inverno além de inconsistente, é interminável. Estou gripada, alguma coisa me deu alergia, estou perdendo a voz, meu tendão não para de doer, tenho uma guia de transvaginal pra pegar na merda do posto de saúde onde o atendimento é outro lixo do caralho. Mais gente falando torto comigo. Eu devo ser uma filha da puta de tão grossa porquê não é possível as pessoas me tratarem tão seco. Uma completa idiotazinha sensível. Ai, não pode falar uma vírgula fora do lugar que ela chora... Por deus, Diana.

Faz sol mas venta muito gelado. Não sei o quanto preciso me agasalhar, fico suando gelado o tempo todo, fungando o nariz, o dente com uma sensibilidade esquisita. Velho, viver é uma coisa muito louca. Perceber seu corpo e sentir um monte de coisas o tempo todo e ficar falando que tudo bem, tudo bem e tudo bem... um amigo me disse que temos que parecer frios, e eu perguntei "mas aonde posso queimar?"

Por onde eu passo, se ando alguns minutos à pé, vejo seiscentos salões de beleza. Imediatamente eu lembro de um quote, algo sobre a vida ser muito curta e que se trata sobre ser quem é e não se preocupar sobre o que acham de você. 

Eu seria mais feliz se usasse uma peruca eu acho. Eu gosto do fácil. Do mínimo esforço e, se cuidar e mudar custa caro pra caralho. Nem tô falando de grana. Eu adoro comer, como vou emagrecer com esse metabolismo de bosta? Eu queria ter cabelo liso e colorido, mas gasta e, se você quer ele bem saudável, é mais gasto ainda. Queria ter umhas bonitinhas mas eu as rôo e não vou parar tão cedo. Eu quero pôr aparelho pra ajeitar os dentes, mas tenho que arrancar mais dois sisos, curar a carne esponjosa (e há riscos de que ela volte a se formar), porra, puta trampo. Eu sou toda cagada. Se não bastasse na aparência, no mental também. Gorda, feia, chata, manca, doente, de gênio forte.

O pior creio que são as pessoas me falando o que eu já sei. Ah mas temos que ser fortes, cê jura? Por isso eu evito dialogar. É sempre a mesma resposta, isso quando há resposta. A vida é assim, ah que bom né obrigada por me informar. Pra quê dialogar? Ninguém é obrigado a ser meu terapeuta fora das quintas feiras.

Aí também tem meu pai com o famoso "não estou reclamando, é que eu não tenho ninguém pra falar e aí comento com você". Eu bem queria um trouxa pra ficar ouvindoe balançando a cabeça, querendo explodir mas estando ali, como eu faço com ele. Eu não tenho aonde me apoiar mas tem vários apoiados em mim. Aquela que sabeo segredo podre de todo mundo porquê algo nela aspira confiança. Só um mero depósito, uma confissão como as ao padre, no confidencialismo que não significa nada: segue sua vida que eu sigo a minha.

Creio que estou com tanta lavagem cerebral que não sei mais o que é certo ou errado, eu não sei o que eu quero, não sei o que eu não quero. Eu acordo, como o mesmo pãozinho com margarina com o café horroroso que eu acabo ponhando leite e achocolatado pra ver se melhora, faço um cosplay rápido de dona de casa tomo banho, aŕumo meu filho pra ir na escola, deixo ele lá e volto esperando dar a hora de ir trabalhar. No trabalho ainda me sinto menos bosta. Estou me destacando, sou rápida, focada, simpática, podre por dentro vivendo um personagem numérico, npc que dizem, né?

Eu chego em casa e só penso em dormir mas preciso colocar o michael na cama, desligar a tv que ele larga ligada o dia inteiro, arrumar a cama tirar a roupa e ainda preencher o vazio com alguma coisa que tenha pra comer. Achei que estava perdendo muito tempo zapeando as redes sociais, que literalmente não servem pra nada, e apaguei os aplicativos. Perda de tempo com as pessoas falando a mesma coisa de sempre, perda de tempo com coisa inútil. Aliás, não dá pra ter nunca um justo meio comigo porque eu tenho metas tão irreais que não dá pra bater, tudo que eu faço é inútil, sem valor, não serve de nada e sou só mais um corpo vagando por aí atrás de dinheiro. Nem pelos finais de semana eu aguardo, e nas folgas semanais eu só quero curtir o silêncio da paz maravilhosa que é estar só em casa pelo menos até às 16h. Daí começa tudo o que eu não perguntei, vinte mil vezes perguntando se eu tô bem, com a minha cara de cu bem grande mostrando que não. Enfim, mais do mesmo, nem eu aguento mais escrever a mesma coisa.

Aquele caderninho tá parado na minha mesa há algum tempo já. Não tive mais novidades. Não estou estudando, não quero falar nem ver ninguém, não quero sair de casa. O que eu fiz pras coisas me incomodarem tanto? Pra que a existência me doesse tanto? Eu estava muito bem, aí do nada eu capotei de novo.

A real é que eu não aceito os periodos de baixa. Mas também não me ajudo em muita coisa. O terapeuta fala toda semana de ter um hobbie. Cara, nem ouvir música eu não estou ouvindo mais. Zapeia zapeia zapeia as bobagens no facebook, vídeos de artesanato, bombas e bombasde dopamina que fazem um livro ou um caderno parecerem tedioso. Filme? Seriado? Até os museus, exposições, nada. Não quero. Todo momento eu preciso fazer alguma coisa ou o momento de baixa é tão forte que invalida todo o resto? Qual foi a última vez que me senti feliz e motivada? Cara, as coisas ruins acontecem também. Aceite! Contorne, deixe ir.

Você tá bem? O que você tem?

Eita que deu vontade de chorar. "Tá com dor? Qualquer coisa você fala, tá?"

É, minha cara... eu acho estranho as pessoas perguntarem. Eu sou toda cagada... eu não me ajudo em absolutamente nada, puta que pariu.

Mas vai passar. Toda vez é assim. Como as ondas lá do Boqueirão. Vem e vão. Tenho saudade de lá e se der eu irei sumir no mar por algumas horas, porquê tenho muito o que fazer. Calcinhas pra comprar, chocolates, calças, os cinco mil pra quitar... enfim. A gente continua depois de chorar, se eu conseguir.