Xícaras

Silêncio com o eventual tic tac do relógio de parede na cozinha. Aquele azul marinho profundo e sonífero das quase cinco da manhã. Um cappuccino improvisado e várias xícaras sem uso no armário. Comentei com o Vitor que eu havia caído no sono às nove e me levantei 4h. Não há muito o que fazer, eu disse, estou sem notebook. E então, inspirada por um post de vida interior da Lúcia Helena, vim escrever os fatos notáveis da minha medíocre passagem pela Terra.

Havia um medo irracional acerca do que eu escrevia anteriormente. Parecia que tudo dava num beco de tragédia anunciada, ou que alguém torcia secretamente pra tudo dar errado. Eu tinha medo da forcadas minhas próprias palavras. Hoje e esses dias todos, deixei ir muitas bagagens antigas. Uma paixão não correspondida, dinheiro que vai e vem, frustração com a universidade, uma oportunidade de viver um romance com alguém realmente disposto à me entender e me acompanhar, e claro, escrever gentilmente como exercício terapêutico. Ou você acha que eu escrevo pra quê?

Vamos por partes. Tirei umas noventa toneladas das costas depois de muito ruminar e despedaçar quais eram as reais intenções entre eu e o indivíduo. Como a Oyama disse, tivemos sim um relacionamento, ele só não teve rótulo. Dos peperos levados da Liberdade à Barão, das sementes de maçã e admiração exacerbada, sobraram um acordo amigável de ambas as partes. Chorei sim, normal, eu vivo chorando. Mas houve alívio. Eu precisava saber porquê e a resposta era muito simples. Meus amores, não somos obrigados a retribuir nada. Dói? Claro que dói. Mas, uma vez que você compreende a liberdade do outro igualmente como a sua, sua cabeça explode e você solta aquela corda das mãos. Deixa estar. Deixe ir. E tudo bem.

Me pus num diálogo interno moral comigo mesma sobre pra quê e por quem ser uma pessoa melhor. “Pra você, caralho!”- esclareceu Nick. Não tão óbvio pois parece que às vezes quero provar algo inconscientemente pro meu terapeuta ou pra todas as pessoas que já tomaram um ghosthing meu. É o seguinte: toda vez que sou rejeitada, eu sumo da vida da pessoa de uma vez por todas.

Pra quê ser uma pessoa melhor e não sumir da vida de alguém que quer meu bem mas não quer minha carne? Juro que escrevendo parece mais ridículo do que já é mas faz muito sentido na minha cabeça. Suma! Eu não sou obrigada a ficar revirando uma ferida, de inúmeras feridas de rejeição. A merda é que ele parece gostar de mim mesmo, quer cuidar, quer me ver crescer, quer me ver bem. Pra quê ser alguém melhor? As pessoas não pensam duas, sequer uma vez em te foder sem dó, em fazer o que elas tem vontade passando por cima da tua cara. E eu aqui pisando em ovos pra não ferir ninguém. Eu não lembro se alguém já disse que sumir é infantil. É óbvio que já disseram. Mas e daí?! Quantos já me seguraram garantindo uma transa e dizendo não quero, não dá, não é bem assim, não precisa disso e daquilo. Porra, esses seres são melhores que eu? Eu tô errada em erradicar essa putaria em cima dos meus sentimentos?

As pessoas ignoram tesão. Ignoram no sentido de invalidar. Poxa, eu me envolvo sexualmente com algum afeto. Não necessariamente amando mas tem ali alguma coisa afetiva. Amar eu amei duas vezes em vinte e cinco anos. Amar de tremer, de gozar, de arranhar, de suspirar e pensar “puta que pariu eu posso morrer nesse exato momento porque vou morrer feliz nos braços desta criatura".

Às vezes não dá tempo de ter final feliz ou precisa mesmo cancelar a série por falta de alguma coisa. As coisas terminam porquê há melhores por vir e caralho, dessa vez isso faz muito sentido pra mim.

Um querido me disse que a vida é sempre o contrário do que você espera, e nisso ele me exemplificou um flerte com zero confiança que resultou num namoro pra ele. “As pessoas gostam de gente direta". Eu fiquei horrorizada, porra, mais direta do que eu sempre fui?! Lógico, nunca cheguei em alguém de cara e “vamos nos casar". Lógico que não. Eu sondo a pessoa, eu conheço a pessoa, eu cativo a pessoa e me torno melhor amiga dela. E eu paro por aí porquê o espaço que eu ocupo na vida dessas pessoas tá ali. A amizade. A maldita amizade. Eu acho inconcebível me relacionar com alguém que não conheço o suficiente. Cara, como assim, será que não fui direta a vida toda? Bem, a verdade é que quando um método não funciona, você precisa mudar. E eu mudei.

Meu terapeuta, meu amado terapeuta, mudou uma chave na minha mente a respeito de relacionamentos na semana retrasada. Eu disse que não achava justo ter um relacionamento sendo toda cagada da cabeça, pois era um fardo péssimo de se dividir com alguém que se ama. Eu realmente me importo em não derramar minha dor no outro, piorou se eu o amo. Enfim, a bênção clareou minha ideia explicando que uma das funções de um relacionamento é justamente suprir necessidades de partilha e aliviar um pouco a dificuldade da vida, e não há nada de errado em querer bonificar um campo da vida enquanto se resolve as outras coisas enquanto isso. Fora essa coisa da dona Diana achar que não é digna de afeto. Mulher, pare.

E imediatamente eu bati o martelo. Quero namorar. Agora é sério. Quero carinho, quero dividir meu playstation, quero apresentar meu pai e meu filho, quero quebrar sua cama, quero chorar com você, quero cantar com você, quero te apresentar queens of the stone age, quero te incentivar a crescer, quero botar pilha nos seus sonhos mais impossíveis, quero foto, quero aliança, quero falar de você pra todo mundo e te exibir como a estatueta do oscar e o gramofone do grammy. Azar é de quem perdeu essa posição na minha vida.

A vida é um grande carrinho de compras em que a gente vai e volta do caixa tentando passar um valor que caiba no orçamento. No meu caso é o foco que me custa muito caro. Decidi, foda-se, vou focar no meu namoro em potencial e daí resolvo a universidade e o trampo. Prioridades, meu bem. Cada um com as suas, não me julgue. Eu tô realmente cansada de ficar sozinha. Quero carinho, preciso ser cuidada, já me machuquei demais, quero um amor gostoso e simples com gostinho de fruta açucarada, beijo de novela, aquele olho no olho intenso que parece uma transa na frente de todo mundo. Eu mereço isso pelo amor de qualquer coisa que tu acredite.

Havia um campo pra responder “namorar comigo é como...” no aplicativo onde eu encontrei a coisa gostosa. Namorar comigo é como andar de moto, pular num vulcão, nadar num maremoto. Minha intensidade é a melhor e pior coisa sobre mim. Estar comigo exige muito sim, reconheço. Não sei se pra você é fácil mas, eu espero reciprocidade sobre ser amiga, amante, parceira, cúmplice e mulher... eu me garanto nisso tudo.

Acho que o must da vida tá aí nesses assumires das coisas. Não é só bater no peito e assinar as consequências do que pintar e tal, desculpa, Leminski, mas é preciso caminhar de encontro o que você quer com o menor número de passos em falso possível. Eu tive uma crise ferrenha com o lance da universidade. Chorei, me senti uma merda, de novo as coisas dando errado, chega uma hora que eu penso mesmo se essa porra é pra mim porquê não é possível dar errado tantas e tantas vezes. Enfim, tudo bem. Meu pai é o maluco que tá feliz de me manter em casa porquê tenho tempo pra cuidar do baby, de mim e dos afazeres. Mas eu quero sair, quero passar raiva com gente babaca no trabalho e quero principalmente dinheiro. Tudo bem, a gente tenta de novo. Pior do que vocês falando que eu tenho tempo ainda pra estudar, sou eu surtando com as coisas por não saber esperar.