Quinze minutos antes da terapia

 Há pessoas que acreditam piamente da atração das coisas pelo pensamento. Por muitos anos desejei secretamente morrer e acho que fui atendida. Em plena balada assumi, pra um estranho, que me sentia velha, cansada e morta por dentro. Fase de baixa? Crise depressiva? Pois bem, eu levo a vida de um cadáver.

O que é estar vivo? Por que se sentir dessa forma me afeta tanto, o sentir me afeta tanto? Me sentir vazia é a única rotina. É fácil identificar quando você passa a maior parte do tempo ocupada com alguma coisa pra não ter que pensar no resto que você deve resolver. Você está trabalhando pra pagar as contas dos gastos que você fez tentando suprir o seu vazio com comida e cultura numa tentativa frustrada porque você não sabe muito bem o que quer e se sente uma merda porque seu trabalho é ruim e você é uma preguiçosa de merda que não tem energia pra mudar seu cenário. E você gasta mais, e deve mais, o vazio aumenta, a insatisfação te toma e você larga o emprego, nada te atrai, você se sente merda mais ainda porque não consegue suportar condições insalubres e um salário de merda. E se sente merda por reclamar, porque não pode. Eu sou uma ingrata e orgulhosa, teimosa que só insiste no que faz mal, querendo amar do jeito certo e morrendo ouvindo ele falar de uma pessoa que toma o meu lugar.

A culpa me toma porque eu tenho ávida demais a dicotomia, eu preciso amar do jeito certo mas o desejo de posse é maior que eu. Os pecados são maiores qie eu. Meu corpo treme, tudo vai desabando e eu me sinto afundada em dúvida e desespero silencioso. Eu grito e me rebato nas paredes do meu corpo, eu preferiria morrer porque não vejo cura no que tenho e eu nem sei o qie tenho. Os remédios não sanam, eu não me conheço, eu me odeio e eu me mato todo dia e é uma angústia morrer todo dia.

Não posso escrever, não posso falar, porque as palavras não traduzem o arrombo do peito, essa dor de estar aqui, o choro de não querer dormir mas aparentemente ser o mais perto da morte. Morrer seria um alívio mas eu não posso dizer isso porque seria ingratidão. Você não está satisfeita em destruir sua família? Como seu filho vai ficar? Se seu deus existe, por que ele não ouve meu pedido? Talvez porquê eu esteja pedindo pra pessoa errada, já que eu vou pro inferno, quem deveria me buscar é o diabo. Suicídio. Mas meu corpo é tão maldito que não quero sentir dor e tenho muita preguiça. Eu me jogaria num campo de espadas.

Eu sequer consigo chorar. Eu não quero chorar. Eu não quero sentir. Eu não qiero respirar. Eu quero morrer pra acabar com tudo. O que demanda paciência, dinheiro, a energia que eu não tenho. Eu preciso de ação mas nem pra morrer eu não tenho vontade de levantar e meter um canivete na jugular com precisão. 

O celular escapa das mãos enquanto eu escrevo. Eu tenho psiquiatra marcado. Eu quero quebrar o jejum do álcool. Nenhuma comida mata essa fome. Nenhuma pessoa me ama. Eu sequer entendo o que é amor. Era pra ser livre e deixar livre mas eu sou uma dependente de afeto de merda e preciso de gestos de carinho pra me sentir importante. Eu tenho nojo de abraços porque soam falsos. Quem transa comigo só goza e vai embora. Sou uma caixa d'água de sêmen, suor e saliva, gelada e podre mas inteiramente sólida e concreta. Firme e forte. Onde eu errei? Qual é o meu problema? Se eu me perguntar por que não mereço ser amada eu evito a resposta. Chega me deu sono. Prefiro dormir e ouvir uma música no repeat e esperar meu terapeuta. O que eu vou falar pra ele? Ele vai dizer, é o remédio, precisa tomar. Precisa de paciência pra essa vida maldita sua ingrata do caralho. Tem duas perna, dois braço e não faz porra nenhuma sua filha da puta. Levanta. Não. Não consigo.

É um limbo morno e silencioso. Você pensa que está tudo bem e as luzes se apagam uma por uma e a solidão te engole. A incompreensão me devora porque nem eu mesmo me entendo, por que alguém entenderia?

Eu sou arrastada por um só pé. Minhas costas não sangram mas ardem pelo atrito da carne, as roupas e o chão. A dor é aguda mas não é externa. Não tem como tirar. Ela volta e volta e volta. Inquilina fiel. Devoradora ávida do meu espírito. Um grude desgraçado e eterno pra alma de outras vidas. Amaldiçoada com os olhos abertos e uma percepção que nunca me serviu de nada além de trazer amargor. Do que você sabe, sua ignorante de merda? Você é burra, incompetente e idiota. Continua insistindo aonde você sabe que não tem retorno. Regue suas plantas mortas, coma os frutos podres, abre tua vida pros estranhos, seja usada e descartada na sarjeta. 

Eu me sento amarrada numa cadeira no galpão gelado em luz fraca. Estou suna, impregnada e sangrando. Um peso no peito não me deixa levantar mesmo qie não houvessem cordas me amarrando. Minhas mãos estão no meu pescoço. Eu não quero relutar. Me matar logo, tá demorando demais. Sou eu mesma quem me assiste de pé disferindo socos e chutes na minha figura miseravelmente sentada. Eu e eu. Egoísta. Escrava. Eu me ponho como um tapete, passe por cima da minha dor pois estou fazendo o que é certo, amando sem posso, deixe-os em paz e livres. Você não merece ninguém e ninguém te ama verdadeiramente. Você só serve pra ser usada e descartada, mil vezes e mil e uma.

Minhas mãos são gélidas. A garganta tá cheia de vácuo pro peito. Sangue, secreção, suor e saliva. Não tem cura e nem saída. O beco se estreita ao mesmo tempo que a estrada por onde sou arrastada nunca acaba. É um carro na velocidade média e faróis altos num entardecer azul e verde com pedra e árvores. Cheiro cinza, poeira e o anestésico de vinte e cinco anos sendo arrastada. Dói mas não dói. Qual é meu nome? Não tenho nome, não me chame, não precisa. Vão me usar de novo. E de novo. E mais uma vez porque eu sou descartável. Eu não tenho importância e nem faço diferença. Um poço de ignorância e egoísmo interminável mas pise em mim por favor porque eu aguento tudo.

Minha cabeça coça. As mãos são oleosas como o rosto. Um tremor estranho e um sono enfeitiçado. Eu quero morrer mas estou em cima do muro. Fui enterrada viva. Eu não tenho amarras apesar da corrente no tórax. Estou livre com pés e braços sadios mas putrefatos de preguiça. Sou um jarro bonito e vazio, sou coberto do material mais valioso do mundo, a ponto de se esmigalhar mas há a sorte e o vazio

 E acredita em quem eu acredito mais?

As palavras engasgam como pedestres famintos trafegando numa via improvisada. Estou cheia e estou vazia. Cheia dessa merda. Tô cheia de me sentir assim, de fazer tudo certo e nunca nada dar certo. Eu não mereço minha saúde e nem meu corpo porque ele não é bem aproveitado. Oh deus que me deste a bênção da vida, aproveita e tira de mim já que eu não a usufruo como deveria ser. Eu quero beber. Eu quero morrer. Eu quero toxinas, eu quero remédio e bebida. Eu quero tirar as mãos do meu pescoço mas eu não consigo. Não me deixe saber aonde está a veia no pescoço, apesar de que meu canivete está longe ali, logo ali no armário. Eu vou pedir pra alguém entregá-lo na minha mão pois estou muito cansada pra ir até lá. 

É denso demais, patético demais pra sua pena. Estou pensando em como me enforcar sem conseguir desatar o nó do pescoço às pernas. O escuro me conforta. Eu sinto tanto frio. Me encolho e coço a cabeça. Vontade de raspar tudo de novo. Nunca vou ser bonita ou normal. Nunca serei equilibrada ou falarei baixo. Além de burra é exagerada. Dramática que me entedia. Nossa ela precisa de ajuda coitada. Por que não pede? Eu acho que vai incomodar. Tá reclamando por que  ingrata? Ingrata. Você não dá valor pro que tem. Ingrata. Amaldiçoada com os olhos abertos para a farsa dual do ser humano iluminado e o ser humano podre dividindo o mesmo espaço num só corpo.