Só um Ponto de Vista

Eu fiquei muito doente do meio da semana até então. Vou tentar detalhar o máximo de coisas possíveis, apesar de não ser tão difícil de esquecer o montante de tolices recorrentes.Eu estava preocupada demais e ela percebeu, só não entendeu porquê.
“...êêêê. O que é, caralho?!”
Ah, você sabe... Acho que não vou passar nisso aqui não. Só vim pra ficar doente, aparentemente.
“Mas o que aconteceu? Você não tava gostando?!”
Eu estou gostando, e muito. O foda é que, nossa... Vi eles rindo lá, falando de mim, olhando pra mim e rindo, eu tô com muito vergonha. Tô me sentindo ridícula. Foi o auge do ser patético.
“O que você fez? Porra, me impressiona você, surda pra caralho, saber que eles estavam falando de você.”
Cala a boca, se eles estavam olhando pra mim e rindo, com certeza deviam estar falando de mim, e não é pra menos: eu saí de lá toda desengonçada, fungando, com óculos, cheia de papel de bala e anotações infinitas, garrafa d’água, os brincos que eu tirei pra não bater no telefone... Ele me disse ‘vai lá que os supervisores querem falar com vocês do treinamento’ e aquela merda do meu lenço cheio de ranho caindo no chão... Meu deus, que vergonha.
“Meu... Você é muito trouxa.” – Diana riu por dentro e eu senti vontade de rir também. Eu sabia do drama que estava fazendo mas, eu realmente estava uma pilha de nervos.
A minha confiança é algo extremamente frágil, tanto quanto eu sou frágil para com ar condicionado. Eu contei essa mesma história umas cinco vezes. Quanto mais eu falava, menos idiota eu me sentia.
“Uma nerd catarrenta.”
Sim, uma nerd catarrenta. Sinto orgulho de mim por isso.
As coisas estão 110% na minha cabeça. Eu me preocupo com isso também. Sabe, uma só falha faz com que eu me esqueça de todo caminho árduo e pecinhas recolhidas ao longo dessa trajetória, não importa o quão longa ela seja. Eu ainda não admito falhas. As minhas falhas. Eu não me permito errar. E cara, isso sufoca.
Eu andei estudando coisas além do que precisava, sabe? Não é só processos bancários, ou investimentos, ou simulados do Enem, não. Há uma pontinha de mim que precisa daqueles “auto-ajuda” que não são auto-ajuda, aí eles chamam de determinado número de lições para aprender com algum pensador ou famoso que a gente acha que foi legal mas no fundo ele foi um merda mas a gente tem que enfiar o contexto histórico no rabo e etc. Eu tive uma lembrança um pouco dolorosa no meio disso, que, uma das lições recomendadas era justamente, reprisar a sua própria história.
Quando eu era mais nova, eu olhava as páginas biográficas da Wikipédia e pensava ‘eu quero montar uma dessas’ mas isso parecia extremamente sem noção. Coisa de quem não tem o que fazer, ou sintomas de um futuro adolescente ególatra. Não adiantou bulhufas, perdi a ótima oportunidade de registrar episódios da minha vida, ter uma ferramenta de auto conhecimento em mãos e me tornei uma pau no cu do mesmo jeito.
Por muito tempo eu achei que amigos não deveriam me corrigir. E nem eu á eles. A verdade é que cada um faz o que quer, e nem sempre as pessoas realmente se importam com você. Eu tive péssimos exemplos dentro de casa, então quando alguém quer me corrigir eu já penso nos meus pais. Ter uma vida sexual desenfreada não é saudável pra mente e nem pro corpo, mas eu só consigo pensar na minha mãe me chamando de vagabunda. Usar drogas nunca foi benéfico pra ninguém, há sempre algo que a gente quer ocultar, uma falha, uma falta que a gente preenche com tóxicos. E quando eu falo de droga eu não quero dizer álcool ou cocaína, eu incluo remédios e açúcar também. É tudo toxina. Tudo isso faz mal, mas insistimos que não, que tá tudo bem injetar uma vez ou outra, uma colherinha a mais de açúcar no café não vai matar. Os meus amigos, os que restaram hoje, puxam minha orelha de leve. Edu sempre me lembra que não é bom se isolar completamente. Aline me pede pra não forçar as coisas demais, pra respeitar meu tempo e não me cobrar tanto. Vitor, nas raríssimas vezes, me surpreende como quem diz ‘eu guardei tudo o que você me disse ao longo do tempo, então faça jus ao que você quer pra si’ – e mude. E é foda você olhar pras pessoas que você mais ama e estima no mundo e ficar sem saber o que fazer. Não adianta dar razão se eu me mato de dar conselhos á eles também, porque quero vê-los bem, mas eu não faço nada em relação á mim mesma. Muitas e muitas vezes.
Acho que ser meu amigo não deve ser fácil. Anos e anos e eu ainda alerto a Aline, ‘não liga pra mim que eu tô com um mal humor dos diabos’. É engraçado. E é maravilhoso.
Voltando... Eu gostaria de escrever um pouco sobre tudo o que vivi. Lógico, eu o faço. Eu o fiz. Apaguei, adiei, refiz, dei uma mascarada em muita coisa, omiti nomes, deixei de revisitar situações de muita dor. A vergonha é uma questão pra se trabalhar. E eu me perguntei isso ontem: do que porra tu tem vergonha?
Credo, quando eu penso numa resposta, tipo, por onde começar... Eu me sinto esquisita. Penso logo nos primeiros anos de vida escolar. A promessa da geração, hiper inteligente, super zoada. Chega a ser ridículo o quanto nos impacta a merda de um julgamento pelo corpo. Falavam do meu peso, das minhas bochechas, dos meus dentes. Eu não corria o bastante. Eu sempre fui extremamente sensível. Ultra sentimental. Um coração enorme, de muito perdão, de muita tolerância, e eu não entendia o que havia de errado comigo pra me encherem tanto o saco. Mas, a promessa da geração permanecia ali com notas altíssimas.
Eu tinha o dom de me apaixonar muito fácil desde criança. O que eu não sabia era esconder... Nossa, que desgraça. Sabe aquilo de, “ele está vindo, aja naturalmente”? Não era comigo. E nessas era mais pano pra manga, não é? O que era pior do que ser gordinha e estranhazinha? Justamente, ser o alvo da gordinha estranhazinha.
Desde muito cedo eu busquei afeto na rua. Quanto eu digo hoje, que é muito chato conhecer gente, acho que tenho a mesma cabeça lá de trás, sabe? Transar com qualquer babaca que tá afim de você é muito mais fácil do que partir a cama várias vezes com alguém que se vai conhecendo gradualmente e no fim descobre que é um completo boçal. Dá até nojo tipo, como eu sentei nisso daí??? Porra. Era muito mais fácil. Mas não é mais pra mim.
Que merda, quando eu falo de passado eu caio sempre na mesma coisa de falar sexo. Estou me comprometendo demais nisso aqui. Se eu puxar mais coisas, eu acabo ficando triste, sabe? Ok, do que mais eu tenho vergonha?
Lá do passado, sei lá eu me forcei a esquecer de tanta coisa. Eu lembro que tentei muita coisa e muita coisa deu errado. E eu não tive culhão pra me manter de pé. Quando algo dá errado, meu amigo, eu surto. Eu, incrivelmente consegui me formar em música. Terminei o curso técnico no mesmo ano e mês que o ensino médio. Eu nunca voltei lá pra pegar o diploma, mas tenho um canudo. E ódio. Pneso que se eu tivesse feito outro curso, meu currículo talvez seria melhor. Coisa de gente sem objetivo definido... Eu reconheço isso em mim muitas vezes.
Eu tive oscilação entre empregos ruins conciliados com faculdades de zero comprometimento meu. Trabalhei numa cafeteria, numa loja de chá, num restaurante fast-food de camarão, numa lojinha de frozen yogurt e num restaurante do centro industrial da minha cidade. Em ordem de o que eu mais odeio pro que fodeu menos minha cabeça, eu curti muito a Vivenda. Me custou uma fagulha de sanidade? Sim. Evoluí como profissional e gestora? Sim. Também vi o quanto eu sou otária. O quanto eu faço esperando reconhecimento. Eu espero aplausos e espero gratificação. Nossa, ela faz alguma coisa. Uau. Parabéns.
Eu fico triste quando penso nos cursos. De trabalho até que não me importo muito, até me orgulho que, não passo muito tempo parada. Eu não preciso imprimir quinhentos currículos porque sei que serei chamada mais dias ou menos dias.
Eu tentei bacharelado em canto popular, caí fora. Tentei bacharelado em filosofia, fique um ano, meus documentos no fies falharam e eu teria reprovado o ano de qualquer forma com as DPs estouradas. Se eu não gostava de determinada aula... Tchau. Oi, bar.
Eu tentei técnico de cozinha. Grávida. Que idiotice. Hoje eu tenho plena certeza: eu odeio cozinhar.
Comprei um curso livre de matemática. Vitalício. Comprei aulas de disciplina com filosofia. Comprei um curso de marketing e branding. O ultimo foi, pelo menos, transformador. É maneiro de conhecer, sem encarar de uma forma mais limpa, sóbria e honesta.
Eu fui muito vítima dos meus desejos. Dos vícios, sabe? Ah, se eu quero eu faço e foda-se. É, arca aí com as consequências agora.
Eu fui escrava de mim mesma. Eu fiz tudo o que eu queria e puta merda. Nessa vida, tu não vai fazer o que você quer não. Tem que fazer o que é preciso, também.
Tem uma coisa que eu não tenho vergonha hoje: é dessa exposição involuntária.
Quando eu venho aqui falar dessas coisas todas que passei, quando revisito essas lembranças, e principalmente enquanto escrevo, tenho em mente de que, faço isso pra mostrar que é possível. É possível externalizar, analisar, se reencontrar, seguir sim auto ajuda da merda que você quiser fazer, e que mesmo que esteja dando certo pra você, vai ter gente que vai rir da sua cara e achar que você está perdendo tempo. E cara, eu não me envergonho disso. As pessoas, eu já disse, elas fazem o que querem. Mas eu sinto de alguma forma que, assim como Buk ou Lispector foram muito claros nas suas falas, eu posso ser clara e honesta com você, expor todas as minhas fragilidades, coisas que você e muitos outros vão julgar como fraqueza ou falta de noção. Eu não ligo. Vai ter alguém que vai me ler, olhar pra tudo isso, rir e chorar, e pensar lá no fundo bem baixinho, ‘caralho, é possível’.
A comparação é um veneno letal.
Sinto que o brasileiro em especial, cristão, que ama a miséria de espírito e de intelecto, se apega tanto ao sacrifício (alheio de preferência), que bate muitas vezes na mesma tecla do outro, do sofrimento, da migalha, seja lá qual for a área. A gente cresce batendo palma pra um homem na cruz e na primeira oportunidade que te aparece de julgar o outro, tu usa ele, ‘porra, foi por você que ele fez isso’. Ou então, o que eu vejo frequentemente por exemplo, são os pequenos empreendedores (to falando sério, aquela pessoa que tem um CNPJ e faz desde a fabricação á venda e exposição e marketing e tudo sozinha), que são apontados como fúteis quando querem engajar num movimento ou rede social pra falar do seu trabalho e nossa, que menosprezo do caralho. E é incrível que quem menospreza é justo quem não faz merda nenhuma. Ah, tu quer ser professora? Vai lá pra dentro da favela ensinar tal coisa. Pois, eu vou, é lá mesmo onde quero estar pra aprender e trocar com os meus futuros alunos. Ah, tu quer mudar o mundo? Sai dessa. Você quer vender coisas sozinho? Sai dessa. Continua aí, assim como eu, na zona de conforto com merda até o pescoço e um medo berrante das coisas darem errado. Se tem alguém que pode fazer, os bilionários, os famosos, não sei, o papa.... Que façam eles alguma coisa. Eu? Eu vou é reclamar. E ainda enfiar o dedo na tua cara porque tu tá passando vergonha. Tá pagando de influencer. Tá levantando uma bandeira fadada ao fracasso. Você quer abraçar o mundo com um braço só.
E etc etc etc
Pode reparar. As pessoas, repito, elas fazem o que elas querem. Não adianta eu querem enfiar esses vídeos de auto ajuda que não são auto ajuda (mas que me ajudam) nos meus amigos. O que é bom pra mim, não vai fazer sentido pro outro, ainda que eu tenha a melhor das intenções. E é isso. A gente vive numa cultura onde buscar ajuda é coisa de fraco. Reclamar é o negócio... Mudar? Aprender algo novo? Ah, pára, isso é coisa de quem não tem o que fazer.
E infelizmente, a gente acaba dando ouvido pra uma coisa ou outra ali de tudo o que citei. Dá uma derrapada na curva, porquê muitas vezes vem de onde a gente busca o conforto e apoio.
Eu li uma frase muito boa da Sheila Barden que dizia, que adultos são crianças espelhando ou  espalhando traumas por aí. Vocês acreditam que eu, até hoje não consigo perdoar meus pais por uma centena de coisas, mesmo sabendo da história de vida fodida que eles tem?! Pelo visto os sintomas de adolescente ególatra ainda habitam em mim. Mas é um caminho. É um inferno, eu sei de muita coisa, eu tenho consciência de muita coisa mas não sei lidar e não sei como corrigir.
Eu tenho vergonha dessa minha relação cagada com os meus pais. Gostaria de ser aquela gorducha de mais tolerância e muito perdão que um dia eu fui. Só continuo gorda, e agora rancorosa, sem paciência pra porra nenhuma. Eu tento, mas há coisas, há muitas coisas, que não tenho mais vontade de solucionar. As pessoas... Eu vou repetir isso muito mais pra mim mesma do que pra vocês, elas fazem somente o que querem. E quando elas acham que estão certas, na razão delas e não tem uma gatinha de empatia pelo outro babaca que tá do lado delas, não tem muito o que fazer a não ser tolerar.
Vivo numa linha de pensamento constante entre recuperar coisas, consertar coisas, ou pegar a raspa da minha saúde mental e meter as caras no que a vida tem pra mim. Afinal, porra, eu não me matei até agora, não tenho mais tempo pra morrer. Tô ocupada, estudando, amando meus amigos, cuidando do meu filho, fazendo planos, voltando a sonhar. Tá naquela hora de olha pra trás e falar, ‘é isso, obrigada, e tchau’. Vinte e cinco é a idade do Victor Mancini. Sei lá, tem vários marcos aí com vinte e cinco, se você pesquisar no Google. O meu marco, na verdade, é só parar de desistir. De deixar o carro morrer, chupar a gasolina do tanque e derramar em mim mesma enquanto fumo um cigarro. Eu preciso aprender de uma vez por todas que não é vergonha errar, pelo contrário.... Vergonha é permanecer estagnada na porra de um lugar medíocre, e repetir a mesma merda que me fez chorar, sabe? Eu sei que vou errar mais um milhão de vezes. É normal. Perfeito é quem não faz nada. Não se suja quem não mete a mão na massa. Não quebra um dente quem não troca soco. Não chora quem não sente. E o Thadeu já cantou, “quem não sente não é gente, não é nem mesmo um bicho”.
E eu tô cansada de ter vergonha de sentir demais também. De amar demais. De eme apaixonar fácil, ah... me deixa, sabe?! Eu sou um coração gigante, muito fogo no rabo e um desejo sem fim de melhorar pessoas. Mas elas... as pessoas... Elas fazem o que querem. E isso me dá direito de fazer o que quero também mas, não só o que quero, preciso fazer o que é necessário. Quando a gente alinha essas duas coisas, de se dedicar a fazer o que é necessário, alinhar teu desejo com o teu crescimento... Caralho, é uma potência imbatível. Custa né, saber mais, querer mais, sair dessa zona média. Aluna média, profissional média, amiga média, mulher média, mãe média. Foda-se. Eu não nasci pra estar na média. Eu não tenho cara de média, não levo jeito pra ficar na média.