Café e Vodca

Depois de um senhor mergulho pra dentro de mim, também associado ao ciclo de baixa depois de uma puta porrada na boca do estômago, consegui me livrar de alguns sérios problemas.
Acho que eu e todo mundo mais próximo ficou numa expectativa, ou numa torcida pra que desse tudo certo. Meu terapeuta e eu tivemos uma conversa muito franca sobre relacionamentos na tarde de segunda-feira e sempre bate aquela coisa estranha de se ouvir falando coisas absurdas que eu, que a gente pensa... Eu falei muito. De um, de outro e de outro. E de mim. Sobre ser uma canalha meio responsável. Sim, ‘meio’ porque eu daria tudo pra ‘estragar’ o que eu e aquela anta temos. Enfim, é um longo aguardo, mais um, mas menos penoso e muito mais franco, de ambas as partes.
Passei essa semana passada viajando e especulando comigo mesma sobre como seria essa novidade depois de quinze meses no banho maria. Senti medo, hesitação, curiosidade, mas, sobretudo revolta. Essas coisas permeiam minha vida desde que comecei a pensar com a própria cabeça. E claro, a revolta é o meu melhor e maior combustível pra mudança. E lá estava eu me envolvendo com o desconhecido sem esperar absolutamente nada além de uma foda bem dada e uma volta pra casa assim que possível.
Como eu subestimo as pessoas... Não me orgulho disso, mas mantenho a indiferença firme e forte. É um estopim pra uma caixinha de surpresas bem agradáveis, como foi o caso ontem.
No ponto de ônibus, incerta e batendo o pé, balançando as pernas e o corpo de um jeito estranho, teclava furiosamente esperando o bonitinho vir me buscar no meio da chuvinha rala. E lá estava do outro lado da pista o figurão de bermuda, chinelo, moletom e dois olhos enormes em cima de mim. Eis a descrição: sou um pinscher (com tremedeira) de jeans, salopete preto e branco com argolas e uma mochilinha caramelo. Esses primeiros encontros tem toda uma magia desconhecida e encantadoramente curiosa e dubitável.
Caminhamos em subidinhas e descidinhas até sua casa. Pensei de imediato, deus, como ele fala! Mas até pensei que fosse algo bom pois eu não precisaria falar muito. Se eu soubesse que realmente vim pra escutar e ser ouvida antes... Subimos as escadas e entramos. Orgulhosamente ele me mostra os cômodos e seus móveis... É gostoso ter nossas coisas assim do nosso jeito, eu bem sei. Peço um café. ‘Sério?’ Não vou ficar vendo você beber vodca sem beber nada. Ele é muito mais organizado do que eu era quando morava sozinha. As coisinhas arrumadas e organizadas, dava pra ver de longe que não era só por receber visitas. Mas o café era novidade. Lacrado, com água na boca do fogão elétrico e o suporte de filtro na canequinha furada que fez a maior pasmaceira na pia. Pouco açúcar. Xícara da mão.... direita! Pasme, eu tenho que pensar pra saber o que é direita e esquerda.
E mais uma vodca, só pra me acompanhar. Eu estava terrivelmente nervosa! E ainda que eu já havia avisado: sou covarde demais pra dar o primeiro passo então, se eu te encarar demais, avança. Pois ele não fez isso e me tomou de supetão. Matamos xícara e copo, eu não parava de mexer nas unhas e nas peles dos cantos dos dedos, minhas mãos suavam a medida que as nossas pernas se aproximavam e se entrelaçavam. Olhei pra baixo porque não conseguia mais encarar ele nos olhos e BANG!
Duas bocas sedentas de desejo, mãos ágeis, muito calor e nervosismo. Eu desaprendi a beijar? E agora? Eu era uma adolescente de novo. Encostada na parede, as unhas raspando e buscando apoio, coxas tremendo e um desespero silencioso. Que bobagem, né? Tudo foi fazendo sentido enquanto os lábios dele corriam nas minhas costas e as mãos, aquelas malditas mãos enormes e ásperas deslizavam como se já me conhecessem há meses.
Eu pedi colo e tive o pedido atendido. Como eu disse, é ruim demais ser forte e durona o tempo todo. Dar conta de tudo e ter a guarda alta sempre... E eu queria uma só pessoa dentre sete bilhões pra que eu pudesse relaxar sem pensar em me defender ou pisar em ovos. E por algumas horas, eu encontrei. Encontrei também motivos pra repensar o uso das minhas palavras ditas, tipo, finalmente alguém parecia estar interessado em conversar e tentar me entender. Ele me policiava, quase me corrigia, me mostrava as diferenças, a gama de opções, me punha em xeque. Quer algo mais estimulante do que ser ouvida e compreendida por alguém interessantíssimo? Que desgraça esse fogo todo, conversar a respeito da vida, das nossas vidas e nossos planos, deitada no seu sofá com uma perna nos seus ombros e outra no seu colo. Aquelas mãos... aquelas mãos e seus braços, aquele corpo inteiro fervente, o sorriso leve e inspirador. E eu escutava, com a pele tomada de um tesão e um neon na testa e nos olhos de “por favor não me faça pedir mais e me dê logo o que eu quero”.
Meio sem graça da situação mas muito menos covarde pra dar um passo adiante, pra que ele jogasse o colchão no chão de novo pra não sermos pegos de surpresa pelo estrado desabando. Eu digo sempre que odeio repetições mas eu sou uma grande filha da puta e esse tipo de repetição é sensacional. Beijos, muito suor, cochichos no meio dos gemidos e eventuais berros, tapas, minutos longos e silenciosos de olhos nos olhos e cochilos alternados. Faz falta isso, algumas horas de cumplicidade com alguém que o santo bata e principalmente, com gente disposta. Disposta a falar, a ouvir, a ser franco de verdade. Eu disse que explicaria algumas coisas pra ele depois mas tem coisa que a gente não explica. A pequena paz de ser você mesma sem especulação ou hesitação do outro pensar isso e aquilo de você, não tem preço. Eu me exponho o bastante, mas não se sentir estranha, não se sentir visitada como a atração principal do circo de bizarrices uma só vez na vida é muito bom.
Me senti somente como alguém frágil, cansada, nua, tranquila, desejada e confiante, mesmo não conseguindo intimidar com o meu olhar. Acho que ele foi quem me intimidou, só um pouquinho. E eu adoro isso.
Ele deve estranhar agradecer tantas vezes por umas horinhas concedidas. É bom ser grata quando algo realmente bom acontece. E as repetições estarão aí, até quando seu deus quiser, ou quando você e sua taróloga descobrir quem vai ser sua eleita... Até lá, a gente conversa mais, ri mais, divide mais, soma mais.