Sucesso Póstumo

Acho que ando me fazendo de desentendida para com a vida e a morte. Há coisas que eu gostaria de ser extremamente franca, mas não posso dizer por alguns motivos. Infelizmente, as coisas e as pessoas na vida não querem a honestidade de uma cara limpa. Viver exatamente às claras não é pra ninguém, ou talvez seja praqueles que já abraçaram a ideia da solidão e estão extremamente bem consigo mesmos. O que não é meu caso, nem um e nem outro. Não estou bem, preciso de ajuda, e estou farta de estar só. E não adianta.
Entre o querer e não querer há inúmeras questões. Eu quero e não quero estar viva. Eu quero e não quero trabalhar. Eu quero e não quero existir. A dicotomia está e não está presente. Eu não quero ficar sozinha mas me isolo. Não quero morrer mas misturo remédio com bebida. Não quero mais beber, e fui beber ontem. Com tédio, com ódio, com saudade da minha vida normal onde você jamais me encontraria em casa numa sexta-feira a noite. Excesso de passado. Nenhum futuro vigente. “No dreams, no future. Don’t try” – deixei claro o que vivo também citando a lápide do Buk.
Eu me sinto exausta. Não sinto conexão com nada de bom. Quero que meus pais morram. Meu amor e meu confidente não são a mesma pessoa. Eu odeio trabalhar. Pessoas que estimo de verdade falam que sou importante, que escrevo bem, que penso á frente do tempo... Há uma muralha, eu estou num caixão de vidro, num aquário. Tenho visões de afogamento, mergulho de costas na cama e os cobertores viram um oceano gélido e azul escuro. Não alcanço a superfície pois há um vidro. Eu não consigo respirar. Eu saio da cama rezando pro ônibus bater, pro taxi capotar, eu jogo a culpa do meu suicídio em tudo, menos em mim. Como isso é possível?
Há algum dia que eu vou ser normal?
O que eu preciso perder pra poder valorizar o que tenho de bom em mim e na minha vida?
Eu não sinto que sou mãe, muitas vezes. Michael é mais meu irmão do que meu filho. Será que foi a cesárea? Não doeu o bastante? Será que foi porquê eu não peguei ele no colo assim que ele nasceu?
Por quê as coisas são tão difíceis pra mim?
Eu preciso passar fome de novo. É, eu já passei fome, se você quiser saber.
Eu preciso morar na rua. Eu tenho que passar frio de novo, dormir no chão de novo, comer arroz puro de novo.
Eu sonho com a morte dos meus pais. Eu sonho que brigo e os desrespeito. Eu sonho com ofensas. Eu sonho com a violência. A vida tem me machucado. Eu sou uma ingrata, meu lado ruim tá crescente. Mas eu não quero fazer mal pra ninguém, só pra mim mesma, ás vezes.
É impossível, e não, não tente mudar minha cabeça pois eu sei que é verdade... É impossível encontrar a pessoa com quem quero me relacionar, desse jeito que eu planejo. Ninguém quer nos conhecer de verdade. Ninguém quer arrumar problema. Um me conhece de cabo á rabo, outro não sabe da missa, um terço.
Ele não gosta tanto de você assim. Ele gosta, talvez, da ideia de ser amado. E puta que pariu.... como eu o amo. Como eu o desejo. Como eu o admiro.
E quem sou eu? Uma possível bipolar, possível alcoólatra, possível depressiva, uma pessoa impossível de entender e de lidar. Eu não sou daqui. Eu odeio minha casa, eu odeio essa cidade, eu odeio meus vizinhos, eu odeio conviver com os meus pais e eu odeio odiar tantas coisas. Eu não sei lidar com tanta mágoa. Eu odeio respirar. Eu odeio existir. Eu odeio as pessoas me chamando o tempo todo porque aparentemente elas não sabem fazer merda nenhuma sozinhas. E eu lido sozinha, veja só: eu tomei meus remédios a semana inteira de maneira correta. Conversei duas horas no telefone com o meu melhor amigo e o sábado não foi um dia ruim! Eu juro pra você que eu achava que estava bem. Até despertar da minha sonequinha e ter a brilhante ideia de ir num bar de merda com gente ridícula e música de merda. Eu vou comer só um lanche e tomar uma cerveja. Pois eu bebi quatro garrafas e a merda do lanche eu vomitei igual um gato.
Umas meninas sentadas sozinhas uma em cada canto do bar. Eu, a transtornada e a impaciente. Não, juro que são pessoas distintas, não to falando só de mim, também transtornada e também impaciente. Desesperada por atenção. No plural, talvez?
Minha cabeça dói. Eu deitei no chão do banheiro e chorei depois que as pessoas que eu estimo de verdade mostraram admiração pelo meu trabalho. Com a escrita, né? O meu emprego é só a fonte de renda. Eu trabalho pra pagar os remédios, o psiquiatra, o terapeuta, a cerveja e o lanche que eu vomitei.
Lembrei que sonhei com o Vitor, sem nunca ter vista a cara desse filho da puta que eu amo tanto... E ele me trocou por uma menina que tinha uma coca cola, enquanto eu tinha uma fanta laranja. A gente ia num show, mas eu fui só ao mercado comprar sorvete, pão e refrigerante. Eu não podia ir ao show. Por que eu invento tanta desculpa pra não fazer o que eu gosto? Meu sonho morreu assim mesmo. Eu não quero saber mais de música, de escrever, e torço pra que eu seja como o Bukowski num sucesso póstumo fodido. Quero que todos me amem e me tatuem no braço quando eu morrer. Você vai se sentir mal por nascer no ano que eu morri. Assim como mamonas assassinas e o Bukowski morreram quando eu nasci.
Eu não posso ter tudo o que eu quero. Eu quero demais e no fim das contas eu preciso me contentar em jogar o jogo de paciência do Edu e ser a melhor amiga do Vitor. Eu tenho a necessidade mórbida de botar tudo a perder porque eu não sei esperar. Eu não julgo se eles tem medo de mim, aversão, falta de tesão, sei lá o que desgraça vocês sentem. Mas eu amo vocês. Eu daria tudo pra estar muito mais na vida de vocês dois e cuidar de vocês dois. É uma honra que o Vitor tenha se declarado padrinho do meu filho, enquanto o cara que eu escolhi pra ser o padrinho do Michael, não o conhece e não pergunta dele.
“Oi, Vitu”.
Eu amo ver a alegria do meu filho em falar um monte de bobagens pro cara que a gente nunca viu na vida... Ele também te adora, tanto quanto eu. O "padrrrrrinho”. Eu amo isso.
Pra não dizer que eu penso exatamente todo dia em morrer, há dias que eu não penso em morrer. Tem dias que eu penso em bater na porta do Edu, sei lá, só aparecer lá no terminal central de Mauá (se é que existe um) e ligar pra ele. Ficar lá sentada com um café gigante da monsterdog na mão, rezando pra ele aparecer sem que eu precise pedir diretamente, igual naquele dia que eu fui pra estação Tamanduateí e fiquei esperando lá. Uma hora. E ele não veio. Esse é o meu problema, Du. Eu sempre acho que não preciso dizer, justamente porque você sabe de tudo. Você deduz, você acerta na mosca, você me entende, ainda que você não concorde. Me perdoa mas eu não sei ser de outro jeito. E se você tem medo de mim, cara, eu também tenho medo de você. Eu já te falei. Eu me sinto nua, desarmada e sem forças. Eu não tenho coragem de te falar inúmeras coisas. Eu não tenho coragem de te dizer que te amo embora você já saiba. E eu te culpo muitas vezes. Me desculpa. Eu sei que eu sou exagerada, mas eu não sei ser de outro jeito. Me desculpa e agora sou eu quem te peço, de verdade... Não desiste de mim.
Eu deveria escrever mais. Eu não me importo de falar umas atrocidades de vez em quando. Eu sinto vontade de rir quando me derramo no teclado. Meu terapeuta pediu pra que eu pensasse em coisas que eu gosto. Eu gosto de chamar atenção... Confesso. Adoro me sentir desejada. Gosto de ser elogiada, apesar de não absorver por completo. Eu não entendo o quão especial eu sou na vida dos meus amigos, sim, porque minha família perdeu completamente o sentido pra mim. Meu irmão diz que eu preciso de um coaching, de deus, de amar meu filho. Minha mãe disse que eu não posso misturar remédio com bebida. Minha mãe só me procura quando quer algum favor. Meu pai grita comigo quando tá bêbado. E eu bebo pra chamar atenção e esconder meu fracasso, minha frustração, meu amargor com o amargor da vida e da cerveja. Eu não quero mais beber. De verdade. Eu não quero fumar. Eu não quero usar droga. Eu não quero morrer. Não agora. Eu não quero um deus, não quero palavras de auto motivação, não quero passar fome e nem frio. Não queria odiar meus pais mas queria de todo coração que eles me respeitassem.
Eu me contradigo tanto, que tenho muitos sonhos com o Edu, com o meu filho, comigo mesma, e tento me matar numa dessas. Porra, Diana. Me ajuda. Que amor é esse aí minha filha?? Que vida é essa que você tá levando?
Eu sei que a rotina é chata... eu não quero ver filme, não quero ouvir música, não quero ler livros e revistas. Não quero andar de bicicleta, não quero jogar vídeo game. Não consigo escrever, ainda que eu queira. Mas hoje eu consegui.
Aqui pra você, morte. Vai se foder. Eu to vivinha, sua cuzona.
Não é hoje que cê vai me pegar, otária.