Universo Infernal Particular

 O breu. Eu não me cansava nunca de fitar a imensidão escura e falsamente vazia do espaço. Estava lá há tantos anos e parecia quase sempre ser a primeira vez que o preto azulado mesclava o verde dos meus olhos. Continuei vidrada.

_Alexa... você conhece a história do Major Tom?

_Você quer dizer, sobre o personagem fictício criado por David Bowie em 1969? Ele tem sua primeira aparição em "Space Oddity" de 1969 retrata um astronauta que deixa a vida na Terra para viajar além das estrelas. Em "Ashes to Ashes" música de 1980, Bowie reinterpreta Major Tom como uma oblíqua autobiografia simbolizando ele próprio.

Pensei comigo, me sinto igual. Há quanto tempo eu abandonei tudo isso de senso comum e normalidade ou massas e vícios de um todo? Quando isso começou? Eu paguei um preço alto demais pra estar em maior contato com algo real. Eu quero o real. Eu quero o puro e bruto. E ainda dói. 

_Diana, há um contato te esperando na linha. – anunciou a pequena caixinha invisível, embutida na parte superior da nave.

_Só atendo se for o mestre secundário. 

_Mas é ele.

A tecnologia também sabia usar de tons de ironia.

_Diana? Pode me ouvir?

_Olá, mestre. Ainda bem que você respondeu logo o meu chamado.

_Aconteceu alguma coisa? Como você está?

Relutei em responder. Havia muita coisa passando na minha cabeça. 

_Não muito bem mas não sei o que é. Eu não obtive muito êxito no meu contato externo. O planeta era agradável, ótima habitação, me lembrava muito a minha casa até, mas não consegui, mestre. Não estou pronta pra voltar. Na verdade eu não tenho muita certeza se é o que quero.

_E alguém te disse algo sobre voltar? Isso não tem volta, essa viagem é só de ida. É um trajeto necessário para se percorrer e não pra se preocupar em voltar. 

_Mas eu não tô falando de regressão. É sobre pertencer ao lugar. Eu ainda não o encontrei.

_E quem te garante que o seu lugar não é transitando por aí? Certas pessoas não adquirem raízes, ou você está buscando plantar o que não dá frutos. O que é que você quer? Só pertencer?

_Não, mestre. Eu quero me conhecer. Algo em mim mudou drasticamente e eu não sei mais quem eu sou. Eu parti em viagem justamente em busca de respostas. E desconfio que não sem ao menos as perguntas.

_Pense bem: se você voltar...

_Eu não posso! Não dá. É impossível e insuportável. Eu sempre acho que tô progredindo e quando vejo, dou duzentos passos pra trás! Não dá, é impossível dividir com os sensos comuns.

_E por que tanta hesitação? Você está com pressa...?

_Pressa de parar. Eu quero parar.

_Isso não existe. Você não vai parar tão cedo e é melhor mudar essa cabecinha. Sua viagem está, definitivamente o mais longe de acabar.

Uma lagrima rasgou meu olho esquerdo e uma bigorna caiu no meu peito. 

_Eu estou vagando no nada, não estou?

_Me diga você. O seu progresso é pequeno e você anseia por resultados maiores que os passos que você dá. Você sabe que não é assim que funciona.

_Por que eu preciso pendular pra duas mentalidades? Eu não suporto mais isso. Dói. Estou cansada desse alternar entre saber o que tenho que fazer e esperar e deixar ser domada pelos meus caprichos. Eu não sou mais essa pessoa impulsiva, eu penso demais antes de fazer. E não tá adiantando nada. Se você sabe e não faz, de fato não o sabe! E eu não sei quem eu me tornei! Por que eu mudei? Por que não me dou mais a chance?

_Não é pra mim que você tem que perguntar, e pra início de conversa, essas não são suas perguntas. Porque essas respostas não vão te levar à lugar nenhum. Quer ficar presa aqui pra sempre?

_É melhor do que essa merda de resposta pronta que eles te fodem pelos ouvidos! – e desferi um golpe no painel.

Ouvi o zumbido em saída da conexão sendo encerrada. Era praticamente o mestre falando “vai beber uma água e se acalma pra falar comigo”.

_A base quer saber se você precisa se algo. – Alexa retornou, sutil.

_Comida envenenada. Uma morte rápida. A abertura da cápsula nas proximidades de qualquer buraco negro.

_Devo realmente comunicá-los sobre suas preferências?

_Não, mano. Que saco. Vai dormir, menina. – Eu definitivamente perdi o juízo ao tratar o sistema como uma pessoa existente. Ao menos, Alexa sabia de tudo. Ela existia do jeito dela.

E qual era o meu jeito de existir?

Engatei os propulsores e parti sem rumo predestinado.

Voltar não era uma opção. Quanto mais navegava, mais a escuridão tomava conta. Da vista, do peito, na mente. A busca por nós mesmos era pra ser tão obscura desse jeito ou eu realmente não me conhecia? Muito anos de respostas prontas. É como as roupas que não me cabem mais, e eu me sinto nua.

Qualquer hora o mestre retornaria. Não era uma boa hora mesmo aquela. Ainda não havia um propósito concreto e, a coisa toda de pertencer comia mesmo a minha mente. E o controle, que eu perdia às vezes. Vai ver que era ainda a simulação e eu nem tinha nem viajado ainda. Talvez isso não importasse. Eu estava introspectiva demais pra perceber algo lá fora. Menos quando eu tinha um pingo de esperança sobre as divisões. Eles não são todos iguais, só não são iguais à mim.